"Tem dias que a gente se senteComo quem partiu ou morreuA gente estancou de repenteOu foi o mundo então que cresceuA gente quer ter voz ativaNo nosso destino mandarMas eis que chega a roda-vivaE carrega o destino pra lá..."
sábado, 13 de dezembro de 2014
quinta-feira, 11 de dezembro de 2014
segunda-feira, 8 de dezembro de 2014
Norte
"[...] O mundo, muito sempre, nos
incomoda, nos pergunta, nos naufraga. Nem sempre ele é como como desejamos. Sua
realidade pode não responder a nossos sonhos e isso nos assusta. Por vezes, as
pessoas que vivem perto de nós parecem não nos compreender.
Somos capazes de levar o
desassossego a quem nos ama. Assim, nos sentimos caminhando em direção
contrária e estrangeiros entre muitos. A alegria nos parece longe e nossos
passos se tornam sem um norte. Isso nos entristece, nos divide, nos sufoca, nos
leva a perder o carinho pelo mundo, o cuidado com a vida.
O psicólogo tem um olhar que
acaricia nossas dificuldades e tenta conhecê-las. Seu olhar parece escutar
nossos segredos, sem espanto. Se falamos de nossos medos, perdas, abandonos,
tristezas, desencontros, ele nos ouve sem preconceitos. Ele confirma e respeita
todo sujeito como um ser liberto e singular.
O psicólogo nos convida,
entretanto, a dialogar com nossas dúvidas e enfrentar nossos embaraços. Se
procuramos abrir largas portas, vislumbrar verdes paisagens, perseguir
estreitas trilhas, ele caminha a nossa lado, sem nos impedir de escolher nossos
rumos. Ele nos motiva a passar nossa vida a limpo, a deitar cores sobre nossos
dias, nos instigando a nos confrontarmos com nossos temores e angústias. E com
ele desvendamos nossas coragens, tomamos posse de nossos limites. [...]
[...] A palavra desafia a dor. A
palavra habita nosso corpo inteiro, desde o olhar até o silêncio. A palavra
mora encarnada em nós. Se falamos onde dói, a palavra alivia nossa ferida. A
palavra nos abre as asas para sobrevoar outras distâncias. A palavra, entre
tudo, desbrava nossas divisas. Se nos expressamos, nos tornamos mais claros. Se
nos escutamos, ganhamos novos pontos de vista para entender o mundo, mesmo
tendo que secar as lágrimas. Ao nos manifestarmos, reinventamos nosso destino e
recriamos nosso percurso[...]"
quarta-feira, 19 de novembro de 2014
quinta-feira, 25 de setembro de 2014
"[...] Para mim sempre foi a exceção, o choque, a válvula, o espasmo. Não sei se a vida é pouco ou demais para mim. Não sei se sinto demais ou de menos. Seja como for a vida, de tão interessante que é a todos os momentos, a vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger; a dar vontade de dar pulos, de ficar no chão. De sair para fora de todas as casas, de todas as lógicas, de todas as sacadas e ir ser selvagem entre árvores e esquecimentos"
domingo, 7 de setembro de 2014

"[...]Que os demônios levem pro inferno aquele que bate à nossa porta bem no meio da nossa fossa, aquele que telefona bem no auge das nossas lágrimas, aquele que nos puxa para uma festa obrigatória. Malditos todos aqueles com quem não podemos compartilhar nossa dor, e nos obrigam a fingir que nada está se passando dentro da gente.
Disfarçar um sofrimento é trabalho de Hércules. Um prêmio para todos aqueles que conseguem fazer com que os outros não percebam sua falta de ânimo nos momentos em que ânimo é tudo o que esperam de nós: nas ceias de Natal, jantares em família, reuniões de trabalho. Você não quer estar ali, quer estar em Marte, quer estar em qualquer lugar onde não seja obrigado a sorrir.
Há sempre o momento de pedir ajuda, de se abrir, de tentar sair do buraco. Mas, antes, é imprescindível passar por uma certa reclusão. Fechar-se em si, reconhecer a dor e aprender com ela. Enfrentá-la sem atuações. Deixar ela escapar pelo nariz, pelos olhos, deixar ela vazar pelo corpo todo, sem pudores. Assim como protegemos nossa felicidade, temos também que proteger nossa infelicidade. Não há nada mais desgastante do que uma alegria forçada. Se você está infeliz, recolha-se, não suba ao palco. Disfarçar a dor é dor ainda maior".
quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Todos estes meios tons da consciência da alma criam em nós uma paisagem
dolorida, um eterno sol-pôr do que somos. O sentirmo-nos é então um campo
deserto a escurecer, triste de juncos ao pé de um rio sem barcos, negrejando
claramente entre margens afastadas.
Não sei se estes sentimentos são uma loucura lenta do desconsolo, se
são reminiscências de qualquer outro mundo em que houvéssemos estado —
reminiscências cruzadas e misturadas, como coisas vistas em sonhos, absurdas na
figura que vemos, mas não na origem se a soubéssemos. Não sei se houve outros
seres que fomos, cuja maior completidão sentimos hoje, na sombra que deles
somos, de uma maneira incompleta — perdida a solidez e nós figurando-no-la mal
nas só duas dimensões da sombra que vivemos.
Sei que estes pensamentos da emoção doem com raiva na alma. A
impossibilidade de nos figurar uma coisa a que correspondam à impossibilidade
de encontrar qualquer coisa que substitua aquela a que se abraçam em visão —
tudo isto pesa com o uma condenação dada não se sabe onde, ou por quem, ou
porquê. [...]
[...] O tempo! O passado! Aí algo, uma voz, um canto, um perfume
ocasional levanta em minha alma o pano de boca das minhas recordações… Aquilo
que fui e nunca mais serei! Aquilo que tive e não tornarei a ter! Os mortos! Os
mortos que me amaram na minha infância. Quando os evoco, toda a alma me esfria
e eu sinto-me desterrado de corações, sozinho na noite de mim próprio, chorando
como um mendigo o silêncio fechado de todas as portas".
terça-feira, 26 de agosto de 2014
domingo, 24 de agosto de 2014
(Res)Pirar...

Arranco do pescoço uma mão que me sufoca. Vejo que na mão, com que a essa arranquei, me veio preso um laço que me caiu no pescoço com o gesto de libertação. Afasto, com cuidado, o laço, e é com as próprias mãos que me quase estrangulo". - Fernando Pessoa
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
Transmissão
sábado, 9 de agosto de 2014
A Suécia Brasileira...
Síndrome de Estocolmo... a metáfora perfeita.
[...]os sintomas associados a síndrome são consequência de um stress físico e emocional extremo por parte da vítima e ocorrem sem que a vítima tenha consciência disso, funcionando a identificação afetiva e emocional com o sequestrador(agente do estresse) com o objetivo de proporcionar afastamento emocional da realidade perigosa e violenta à qual a pessoa está sendo submetida. Simultaneamente, a vítima, não ficando totalmente alheia à sua própria situação, mantém-se alerta para o perigo e é esse estado de consciência que faz com que a maioria das vítimas tente, em algum momento, escapar do sequestrador, mesmo em casos de cativeiro prolongado..."
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sábado, 2 de agosto de 2014
Choice...

E diante de uma situação de rompimento há sempre duas possibilidades.
A primeira é se vitimizar. Responsabilizar o outro pelos equívocos e decisões. Com isso a chance de se sair com menos sequelas é grande. A chance de que o sofrimento seja menor e mais rápido também é maior. Porém existe o lado ruim. Fazendo esta opção, muito pouco ou praticamente nada se aprende com aquela situação vivida.
A outra opção é reconhecer as próprias escolhas, não se eximindo de responsabilidades e participação no possível "fracasso". Nesta opção, infelizmente a dor é maior. Sente-se na carne o sofrimento. A vida ganha um tom de cinza. Porém, a chance de se aprender com tudo isso é enorme. O amadurecimento é quase uma garantia. E a chance de transformar suas feridas em cicatrizes, que marcam pra sempre, mas são indolor, também grande. É ir do luto à travessia.
Viver é suportar correr riscos; e plagiando Camus, a vida é a soma das nossas escolhas. Faça a sua...
quarta-feira, 23 de julho de 2014
Frívolo ou Natural... ?!
quinta-feira, 17 de julho de 2014
Quem me roubou de mim...
Minha alegria
Já estanquei meu sangue
Quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta
Pro desfecho da festa
Por favor...
Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa [...]"
terça-feira, 15 de julho de 2014
Cazoo...
"Pra que mentir, fingir que perdoou.
Tentar ficar amigos sem rancor
A emoção acabou
Que coincidência é o amor
A nossa música nunca mais tocou"
Tentar ficar amigos sem rancor
A emoção acabou
Que coincidência é o amor
A nossa música nunca mais tocou"
quinta-feira, 10 de julho de 2014
O poema no lixo...
Achei em uma lata de lixo. O poema nosso de cada dia... nos dai hoje.
"É uma dor que dói no peito
Pode rir agora
Que estou sozinho
Mas não venha me roubar..."
"É uma dor que dói no peito
Pode rir agora
Que estou sozinho
Mas não venha me roubar..."
sábado, 5 de julho de 2014
terça-feira, 24 de junho de 2014
Quem pula e quem aterrissa...
Muitas vezes, estão no pacote daquelas chamadas "decisões das nossas vidas".
E toda decisão que mexe com nossa vida, gera muito medo e
ansiedade.
Temos medo de escolher. De perder. De cair. De não suportar.
Discuti a alguns dias sobre uma analogia que ilustra
perfeitamente este momento.
Imagine você subindo uma montanha para pular de asa delta, para-quedas, parapente ou paraglider.
Agora imagine você
lá no alto da montanha, preparando para saltar.
Você olha lá pra
baixo e pensa que jamais conseguirá.
Sente um medo
abissal.
O coração dispara. A
respiração muda. As pernas paralisam. A pele transpira. O pensamento acelera.
E para piorar, você
se lembra de que foi você que, mesmo que indiretamente, se colocou naquela
situação. Você escolheu subir a montanha e saltar. Ninguém te obrigou. Nem sabe
com certeza o porquê, mas você decidiu se colocar em tal “situação de risco”.
Escolheu enfrentar seu medo. Encarar seus fantasmas.
Você pensa em
desistir. Pensa simplesmente em sair daquela situação de desconforto. O medo é
tanto que ele “aparece” no seu corpo. A sensação é de “quase morte”. Pensa que prefere viver sua dor crônica, porém menos intensa.
Mas também você
pensa que se descer, a sensação de “quase morte” pode não passar. E pode ser
que sua decisão de subir a montanha seja justamente para enfrentar o que sentia
ANTES de subir. Uma sensação que já estava impregnado em você muito antes de
chegar à beira do daquele precipício. Sim, você foi "empurrado" a encarar aquele drama.
Aí você pensa que
talvez possa suportar fechar os olhos, se agarrar às suas convicções, encarar o
medo e se lançar. Sem garantias. Sem equipamento extra.
Se realmente pular,
correrá um risco (mesmo que ínfimo) de se machucar seriamente. Mas também
poderá ter a chance de, após algum tempo, ter sensações indescritíveis. De
perder o fôlego, mas agora de uma maneira diferente.
Nem sempre
conseguimos nos jogar na primeira subida na montanha. Muitas vezes, subimos,
contemplamos a paisagem, respiramos o ar puro, chegamos muito perto de pular, mas não
conseguimos e recuamos. Às vezes isso acontece porque as condições climáticas
não permitem o mínimo de segurança para seguir em frente. Não temos recursos suficientes. Falta equipamento de segurança. O bom é que muitas vezes,
podemos tentar de novo... e de novo... e de novo...
Por fim, o fato é que a pessoa
que “salta”, JAMAIS é a mesma que aterrissa. Atente-se: JAMAIS!
segunda-feira, 23 de junho de 2014
sexta-feira, 20 de junho de 2014
Nascer...
Tem gente que nasce durante a infância...
Tem gente que nasce aos 20 anos de idade...
Tem gente que nasce depois dos 30...
Tem gente que só nasce lá pelos 50 anos...
Tem gente que nasce duas vezes...
E tem gente que nem nasce...
Mesmo chegando à velhice, ela nem nasce.
quarta-feira, 18 de junho de 2014
À deriva...
"...Um barco sem porto
Sem rumo, sem vela
Cavalo sem sela
Um bicho solto
Um cão sem dono
Um menino, um bandido
Às vezes me preservo
Noutras, suicido!"
sexta-feira, 6 de junho de 2014
Para Viver um Grande Amor...

Separação
"Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta sentiu que nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é história do mundo. Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo, como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles.
Viu-a assim por um lapso, em sua beleza morena, real mas já se distanciando na penumbra ambiente que era para ele como a luz da memória. Quis emprestar tom natural ao olhar que lhe dava, mas em vão, pois sentia todo o seu ser evaporar-se em direção a ela. Mais tarde lembrar-se-ia não recordar nenhuma cor naquele instante de separação, apesar da lâmpada rosa que sabia estar acesa. Lembrar-se-ia haver-se dito que a ausência de cores é completa em todos os instantes de separação.
Seus olhares fulguraram por um instante um contra o outro, depois se acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de seccionar aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.
Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos de suas vidas, não lhe dava forças para desprender-se dela. Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos. Tentou imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias - um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas.
De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde..."
sexta-feira, 30 de maio de 2014
De repente, Pessoa...
Olho, como numa extensão ao sol
que rompe nuvens, a minha vida passada; e noto, com um pasmo metafísico, como
todos os meus gestos mais certos, as minhas ideias mais claras, e os meus
propósitos mais lógicos, não foram, afinal, mais que bebedeira nata, loucura
natural, grande desconhecimento. Nem sequer representei. Representaram-me. Fui,
não o ator, mas os gestos dele.
Tudo quanto tenho feito, pensado,
sido, é uma soma de subordinações, ou a um ente falso que julguei meu, por que
agi dele para fora, ou de um peso de circunstâncias que supus ser o ar que
respirava. Sou, neste momento de ver, um solitário súbito, que se reconhece
desterrado onde se encontrou sempre cidadão. No mais íntimo do que pensei não
fui eu.
Vem-me, então, um terror
sarcástico da vida, um desalento que passa os limites da minha individualidade
consciente. Sei que fui erro e descaminho, que nunca vivi, que existi somente
porque enchi tempo com consciência e pensamento. E a minha sensação de mim é a
de quem acorda depois de um sono cheio de sonhos reais, ou a de quem é liberto,
por um terremoto, da luz pouca do cárcere a que se habituara.
Pesa-me, realmente me pesa, como
uma condenação a conhecer, esta noção repentina da minha individualidade
verdadeira, dessa que andou sempre viajando sonolentamente entre o que sente e
o que vê.
É tão difícil descrever o que se
sente quando se sente que realmente se existe, e que a alma é uma entidade
real, que não sei quais são as palavras humanas com que possa defini-lo. Não
sei se estou com febre, como sinto, se deixei de ter a febre de ser dormidor da
vida. Sim, repito, sou como um viajante que de repente se encontre numa vila
estranha sem saber como ali chegou; e ocorrem-me esses casos dos que perdem a
memória, e são outros durante muito tempo. Fui outro durante muito tempo —
desde a nascença e a consciência —, e acordo agora no meio da ponte, debruçado
sobre o rio, e sabendo que existo mais firmemente do que fui até aqui. Mas a
cidade é-me incógnita, as ruas novas, e o mal sem cura. Espero, pois, debruçado
sobre a ponte, que me passe a verdade, e eu me restabeleça nulo e fictício,
inteligente e natural.
Foi um momento, e já passou. Já
vejo os móveis que me cercam, os desenhos do papel velho das paredes, o sol
pelas vidraças poeirentas. Vi a verdade um momento. Fui um momento, com
consciência, o que os grandes homens são com a vida. Recordo-lhes os atos e as
palavras, e não sei se não foram também tentados vencedoramente pelo Demônio da
Realidade. Não saber de si é viver. Saber mal de si é pensar. Saber de si, de
repente, como neste momento lustral, é ter subitamente a noção da mônada
íntima, da palavra mágica da alma. Mas essa luz súbita cresta tudo, consume
tudo. Deixa-nos nus até de nós.
Foi só um momento, e vi-me.
Depois já não sei sequer dizer o que fui. E, por fim, tenho sono, porque, não
sei porquê, acho que o sentido é dormir".
terça-feira, 20 de maio de 2014
O sujeito Vitimizado: A boa imagem
contra o algoz externo
“Qual a tua contribuição na desordem da qual te queixas?”
J. Lacan
Muita coisa pra fazer, e parece que só eu é que trabalho.
Muita coisa para se preocupar e parece que só eu é que me importo.
Eu tenho direito de fazer alguma coisa, afinal eu pareço
fazer sempre mais que o outro!
Ninguém tem tantos papéis quanto eu tenho.
É esta sua psicoterapia que te alienou!
Você só pode ter outro(a) pra querer isso!
Aposto que tem alguém te influenciando.
Tem gente que não consegue se
responsabilizar por suas escolhas. Não consegue perceber a sua responsabilidade
diante das mudanças. Prefere se vitimizar e manter o personagem do “eu não
tenho culpa” ou “eu não queria, estou sendo obrigada”. Este tipo de pessoa
tende a transferir os seus problemas para os outros; transfere para as
circunstâncias, para o mundo exterior, para o outro. Nunca assume a sua posição
diante da vida e sempre culpa o outro pelo que está acontecendo no seu modo de
encarar e perceber a vida. Esta é a postura da justificativa e da
racionalização.
“Justificar-se é o sinal de que
não queremos mudar. Para não assumirmos o erro, justificamo-nos, ou seja,
transformamos o que está errado em injusto e, de justificativa em
justificativa, nos paralisamos e impedimo-nos de crescer”. Talvez pelo medo
(equivocado e impossível) de que não se pode fracassar e que sendo assim, o
fracasso estará sempre no outro. Ou vindo do outro. “O outro é quem quis
assim...eu não tenho culpa alguma”
A covardia deste comportamento está
em usar uma máscara e forjar um personagem que não assume a suas decisões e
suas deficiências. Prefere transferir aquilo que deseja para uma suposta
decisão do outro. É uma espécie de racionalização. De encontrar uma
justificativa plausível e eticamente aceitável para o próprio Ego. Uma forma de
se desimplicar. De não se comprometer com a escolha ou com o acontecido.
Imagina-se assim que não se corre o risco do arrependimento. Da
responsabilidade e da dor de se bancar uma decisão. De assinar sua escolha. Da angústia de se escolher
sem garantias. De se demarcar posição. Ela sempre aponta no outro aquilo que
falta nela. Ela sempre deseja que outro seja aquilo que ela não consegue ser. Que faça aquilo que não consegue fazer.
A questão central é que agindo
assim, esta pessoa consegue arrastar (mesmo que por algum tempo) a atenção e o
olhar piedoso do outro, que normalmente acredita que a pessoa realmente foi
injustiçada por alguém ou algo. Mesmo isso não sendo a verdade plena, ser “vítima
do outro” (responsabilizando-o por toda decisão), implica em um aglomerado de
ganhos secundários, além da atenção das pessoas (e de si própria): o apoio, o
amparo, a solidariedade, a disposição em lhe ajudar, enfim, muitas coisas
satisfatórias. Sem essas vantagens, este comportamento não se sustentaria.
Aliás, a manutenção da boa imagem
para os outros parece ser essencial e uma das maiores buscas de quem se
vitimiza ou se desresponsabiliza. Ela tenta manter uma imagem de lutadora
combalida. E para sustentar é preciso que se tenha um algoz. Sempre alguém ou
algo externo. Alguém que personifique e assuma toda a responsabilidade. Nada
pode ser mais covarde que transferir as próprias limitações para a conta do
outro. Produzir uma marca no outro para evitar que a sua apareça. Buscar
dominar o outro, através da sua postura de dominada.
E se a pessoa não se
responsabiliza, ela normalmente se sente como quem mais se dedica. Assim como
nas frases iniciais desta publicação, ela está sempre se dedicando demais e
recebendo de menos. Na relação com o outro, ela supostamente está sempre
oferecendo um pacote irresistível de bondade, dedicação, sinceridade e amor. Mas é claro que cobra um preço por “tamanha
bondade e oferta”. E a principal é uma
cobrança desmedida que visa à inserção do sentimento de culpa, da desqualificação
e da quebra da auto-estima do outro. E aí é um passo para recomeçar o eterno
ciclo de queixa, vitimização, cobrança, frustração...
sexta-feira, 4 de abril de 2014
Quem me leva aos meus fantasmas...
"...De que serve ter o mapa, se o fim está traçado? De que serve a terra à vista, se o barco está parado? De que serve ter a chave, se a porta está aberta? De que servem as palavras, se a casa está deserta? Quem me leva os meus fantasmas? Quem me salva desta espada? Quem me diz onde é a estrada? Quem me leva os meus fantasmas? Quem me leva os meus fantasmas? Quem me salva desta espada? E me diz onde e a estrada..."
domingo, 30 de março de 2014
A Liberdade de ver os outros
Um dos escritores mais admirados de sua geração, o
americano David Foster Wallace se suicidou aos 46 anos, em 2008. Este texto foi tirado de seu discurso de paraninfo para
formandos do Kenyon College, há alguns anos atrás.
Dois peixinhos estão nadando juntos e cruzam com um peixe mais velho, nadando em sentido contrário. Ele os cumprimenta e diz:
– Bom dia, meninos. Como está a água?
Os dois peixinhos nadam mais um pouco, até que um deles olha para o outro e pergunta:
– Água? Que diabo é isso?
Não se preocupem, não pretendo me apresentar a vocês como o peixe mais velho e sábio que explica o que é água ao peixe mais novo. Não sou um peixe velho e sábio. O ponto central da história dos peixes é que a realidade mais óbvia, ubíqua e vital costuma ser a mais difícil de ser reconhecida. Enunciada dessa -forma, a frase soa como uma platitude – mas é fato que, nas trincheiras do dia-a-dia da existência adulta, lugares comuns banais podem adquirir uma importância de vida ou morte.
Boa parte das certezas que carrego comigo acabam se revelando totalmente equivocadas e ilusórias. Vou dar como exemplo uma de minhas convicções automáticas: tudo à minha volta respalda a crença profunda de que eu sou o centro absoluto do universo, de que sou a pessoa mais real, mais vital e essencial a viver hoje. Raramente mencionamos esse egocentrismo natural e básico, pois parece socialmente repulsivo, mas no fundo ele é familiar a todos nós. Ele faz parte de nossa configuração padrão, vem impresso em nossos circuitos ao nascermos.
Querem ver? Todas as experiências pelas quais vocês passaram tiveram, sempre, um ponto central absoluto: vocês mesmos. O mundo que se apresenta para ser experimentado está diante de vocês, ou atrás, à esquerda ou à direita, na sua tevê, no seu monitor, ou onde for. Os pensamentos e sentimentos dos outros precisam achar um caminho para serem captados, enquanto o que vocês sentem e pensam é imediato, urgente, real. Não pensem que estou me preparando para fazer um sermão sobre compaixão, desprendimento ou outras "virtudes". Essa não é uma questão de virtude – trata-se de optar por tentar alterar minha configuração padrão original, impressa nos meus circuitos. Significa optar por me libertar desse egocentrismo profundo e literal que me faz ver e interpretar absolutamente tudo pelas lentes do meu ser.
Num ambiente de excelência acadêmica, cabe a pergunta: quanto do esforço em adequar a nossa configuração padrão exige de sabedoria ou de intelecto? A pergunta é capciosa. O risco maior de uma formação acadêmica – pelo menos no meu caso – é que ela reforça a tendência a intelectualizar demais as questões, a se perder em argumentos abstratos, em vez de simplesmente prestar atenção ao que está ocorrendo bem na minha frente.
Estou certo de que vocês já perceberam o quanto é difícil permanecer alerta e atento, em vez de hipnotizado pelo constante monólogo que travamos em nossas cabeças. Só vinte anos depois da minha formatura vim a entender que o surrado clichê de "ensinar os alunos como pensar" é, na verdade, uma simplificação de uma idéia bem mais profunda e séria. "Aprender a pensar" significa aprender como exercer algum controle sobre como e o que cada um pensa. Significa ter plena consciência do que escolher como alvo de atenção e pensamento. Se vocês não conseguirem fazer esse tipo de escolha na vida adulta, estarão totalmente à deriva.
Lembrem o velho clichê: "A mente é um excelente servo, mas um senhorio terrível." Como tantos clichês, também esse soa inconvincente e sem graça. Mas ele expressa uma grande e terrível verdade. Não é coincidência que adultos que se suicidam com armas de fogo quase sempre o façam com um tiro na cabeça. Só que, no fundo, a maioria desses suicidas já estava morta muito antes de apertar o gatilho. Acredito que a essência de uma educação na área de humanas, eliminadas todas as bobagens e patacoadas que vêm junto, deveria contemplar o seguinte ensinamento: como percorrer uma confortável, próspera e respeitável vida adulta sem já estar morto, inconsciente, escravizado pela nossa configuração padrão – a de sermos singularmente, completamente, imperialmente sós.
Isso também parece outra hipérbole, mais uma abstração oca. Sejamos concretos então. O fato cru é que vocês, graduandos, ainda não têm a mais vaga idéia do significado real do que seja viver um dia após o outro. Existem grandes nacos da vida adulta sobre os quais ninguém fala em discursos de formatura. Um desses nacos envolve tédio, rotina e frustração mesquinha.
Vou dar um exemplo prosaico imaginando um dia qualquer do futuro. Você acordou de manhã, foi para seu prestigiado emprego, suou a camisa por nove ou dez horas e, ao final do dia, está cansado, estressado, e tudo que deseja é chegar em casa, comer um bom prato de comida, talvez relaxar por umas horas, e depois ir para cama, porque terá de acordar cedo e fazer tudo de novo. Mas aí lembra que não tem comida na geladeira. Você não teve tempo de fazer compras naquela semana, e agora precisa entrar no carro e ir ao supermercado. Nesse final de dia, o trânsito está uma lástima.
Quando você finalmente chega lá, o supermercado está lotado, horrivelmente iluminado com lâmpadas fluorescentes e impregnado de uma música ambiente de matar. É o último lugar do mundo onde você gostaria de estar, mas não dá para entrar e sair rapidinho: é preciso percorrer todos aqueles corredores superiluminados para encontrar o que procura, e manobrar seu carrinho de compras de rodinhas emperradas entre todas aquelas outras pessoas cansadas e apressadas com seus próprios carrinhos de compras. E, claro, há também aqueles idosos que não saem da frente, e as pessoas desnorteadas, e os adolescentes hiperativos que bloqueiam o corredor, e você tem que ranger os dentes, tentar ser educado, e pedir licença para que o deixem passar. Por fim, com todos os suprimentos no carrinho, percebe que, como não há caixas suficientes funcionando, a fila é imensa, o que é absurdo e irritante, mas você não pode descarregar toda a fúria na pobre da caixa que está à beira de um ataque de nervos.
De qualquer modo, você acaba chegando à caixa, paga por sua comida e espera até que o cheque ou o cartão seja autenticado pela máquina, e depois ouve um "boa noite, volte sempre" numa voz que tem o som absoluto da morte. Na volta para casa, o trânsito está lento, pesado etc. e tal.
É num momento corriqueiro e desprezível como esse que emerge a questão fundamental da escolha. O engarrafamento, os corredores lotados e as longas filas no supermercado me dão tempo de pensar. Se eu não tomar uma decisão consciente sobre como pensar a situação, ficarei irritado cada vez que for comprar comida, porque minha configuração padrão me leva a pensar que situações assim dizem respeito a mim, a minha fome, minha fadiga, meu desejo de chegar logo em casa. Parecerá sempre que as outras pessoas não passam de estorvos. E quem são elas, aliás? Quão repulsiva é a maioria, quão bovinas, e inexpressivas e desumanas parecem ser as da fila da caixa, quão enervantes e rudes as que falam alto nos celulares.
Também posso passar o tempo no congestionamento zangado e indignado com todas essas vans, e utilitários e caminhões enormes e estúpidos, bloqueando as pistas, queimando seus imensos tanques de gasolina, egoístas e perdulários. Posso me aborrecer com os adesivos patrióticos ou religiosos, que sempre parecem estar nos automóveis mais potentes, dirigidos pelos motoristas mais feios, desatenciosos e agressivos, que costumam falar no celular enquanto fecham os outros, só para avançar uns 20 metros idiotas no engarrafamento. Ou posso me deter sobre como os filhos dos nossos filhos nos desprezarão por desperdiçarmos todo o combustível do futuro, e provavelmente estragarmos o clima, e quão mal-acostumados e estúpidos e repugnantes todos nós somos, e como tudo isso é simplesmente pavoroso etc. e tal.
Se opto conscientemente por seguir essa linha de pensamento, ótimo, muitos de nós somos assim – só que pensar dessa maneira tende a ser tão automático que sequer precisa ser uma opção. Ela deriva da minha configuração padrão.
Mas existem outras formas de pensar. Posso, por exemplo, me forçar a aceitar a possibilidade de que os outros na fila do supermercado estão tão entediados e frustrados quanto eu, e, no cômputo geral, algumas dessas pessoas provavelmente têm vidas bem mais difíceis, tediosas ou dolorosas do que eu.
Fazer isso é difícil, requer força de vontade e empenho mental. Se vocês forem como eu, alguns dias não conseguirão fazê-lo, ou simplesmente não estarão a fim. Mas, na maioria dos dias, se estiverem atentos o bastante para escolher, poderão preferir olhar melhor para essa mulher gorducha, inexpressiva e estressada que acabou de berrar com a filhinha na fila da caixa. Talvez ela não seja habitualmente assim. Talvez ela tenha passado as três últimas noites em claro, segurando a mão do marido que está morrendo. Ou talvez essa mulher seja a funcionária mal remunerada do Departamento de Trânsito que, ontem mesmo, por meio de um pequeno gesto de bondade burocrática, ajudou algum conhecido seu a resolver um problema insolúvel de documentação.
Claro que nada disso é provável, mas tampouco é impossível. Tudo depende do que vocês queiram levar em conta. Se estiverem automaticamente convictos de conhecerem toda a realidade, vocês, assim como eu, não levarão em conta possibilidades que não sejam inúteis e irritantes. Mas, se vocês aprenderam como pensar, saberão que têm outras opções. Está ao alcance de vocês vivenciarem uma situação "inferno do consumidor" não apenas como significativa, mas como iluminada pela mesma força que acendeu as estrelas.
Relevem o tom aparentemente místico. A única coisa verdadeira, com V maiúsculo, é que vocês precisam decidir conscientemente o que, na vida, tem significado e o que não tem.
Na trincheira do dia-a-dia, não há lugar para o ateísmo. Não existe algo como "não venerar". Todo mundo venera. A única opção que temos é decidir o que venerar. E o motivo para escolhermos algum tipo de Deus ou ente espiritual para venerar – seja Jesus Cristo, Alá ou Jeová, ou algum conjunto inviolável de princípios éticos – é que todo outro objeto de veneração te engolirá vivo. Quem venerar o dinheiro e extrair dos bens materiais o sentido de sua vida nunca achará que tem o suficiente. Aquele que venerar seu próprio corpo e beleza, e o fato de ser sexy, sempre se sentirá feio – e quando o tempo e a idade começarem a se manifestar, morrerá um milhão de mortes antes de ser efetivamente enterrado.
No fundo, sabemos de tudo isso, que está no coração de mitos, provérbios, clichês, epigramas e parábolas. Ao venerar o poder, você se sentirá fraco e amedrontado, e precisará de ainda mais poder sobre os outros para afastar o medo. Venerando o intelecto, sendo visto como inteligente, acabará se sentindo burro, um farsante na iminência de ser desmascarado. E assim por diante.
O insidioso dessas formas de veneração não está em serem pecaminosas – e sim em serem inconscientes. São o tipo de veneração em direção à qual você vai se acomodando quase que por gravidade, dia após dia. Você se torna mais seletivo em relação ao que quer ver, ao que valorizar, sem ter plena consciência de que está fazendo uma escolha.
O mundo jamais o desencorajará de operar na configuração padrão, porque o mundo dos homens, do dinheiro e do poder segue sua marcha alimentado pelo medo, pelo desprezo e pela veneração que cada um faz de si mesmo. A nossa cultura consegue canalizar essas forças de modo a produzir riqueza, conforto e liberdade pessoal. Ela nos dá a liberdade de sermos senhores de minúsculos reinados individuais, do tamanho de nossas caveiras, onde reinamos sozinhos.
Esse tipo de liberdade tem méritos. Mas existem outros tipos de liberdade. Sobre a liberdade mais preciosa, vocês pouco ouvirão no grande mundo adulto movido a sucesso e exibicionismo. A liberdade verdadeira envolve atenção, consciência, disciplina, esforço e capacidade de efetivamente se importar com os outros – no cotidiano, de forma trivial, talvez medíocre, e certamente pouco excitante. Essa é a liberdade real. A alternativa é a torturante sensação de ter tido e perdido alguma coisa infinita.
Pensem de tudo isso o que quiserem. Mas não descartem o que ouviram como um sermão cheio de certezas. Nada disso envolve moralidade, religião ou dogma. Nem questões grandiosas sobre a vida depois da morte. A verdade com V maiúsculo diz respeito à vida antes da morte. Diz respeito a chegar aos 30 anos, ou talvez aos 50, sem querer dar um tiro na própria cabeça. Diz respeito à consciência – consciência de que o real e o essencial estão escondidos na obviedade ao nosso redor – daquilo que devemos lembrar, repetindo sempre: "Isto é água, isto é água."
É extremamente difícil lembrar disso, e permanecer consciente e vivo, um dia depois do outro.
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