O sujeito Vitimizado: A boa imagem
contra o algoz externo
“Qual a tua contribuição na desordem da qual te queixas?”
J. Lacan
Muita coisa pra fazer, e parece que só eu é que trabalho.
Muita coisa para se preocupar e parece que só eu é que me importo.
Eu tenho direito de fazer alguma coisa, afinal eu pareço
fazer sempre mais que o outro!
Ninguém tem tantos papéis quanto eu tenho.
É esta sua psicoterapia que te alienou!
Você só pode ter outro(a) pra querer isso!
Aposto que tem alguém te influenciando.
Tem gente que não consegue se
responsabilizar por suas escolhas. Não consegue perceber a sua responsabilidade
diante das mudanças. Prefere se vitimizar e manter o personagem do “eu não
tenho culpa” ou “eu não queria, estou sendo obrigada”. Este tipo de pessoa
tende a transferir os seus problemas para os outros; transfere para as
circunstâncias, para o mundo exterior, para o outro. Nunca assume a sua posição
diante da vida e sempre culpa o outro pelo que está acontecendo no seu modo de
encarar e perceber a vida. Esta é a postura da justificativa e da
racionalização.
“Justificar-se é o sinal de que
não queremos mudar. Para não assumirmos o erro, justificamo-nos, ou seja,
transformamos o que está errado em injusto e, de justificativa em
justificativa, nos paralisamos e impedimo-nos de crescer”. Talvez pelo medo
(equivocado e impossível) de que não se pode fracassar e que sendo assim, o
fracasso estará sempre no outro. Ou vindo do outro. “O outro é quem quis
assim...eu não tenho culpa alguma”
A covardia deste comportamento está
em usar uma máscara e forjar um personagem que não assume a suas decisões e
suas deficiências. Prefere transferir aquilo que deseja para uma suposta
decisão do outro. É uma espécie de racionalização. De encontrar uma
justificativa plausível e eticamente aceitável para o próprio Ego. Uma forma de
se desimplicar. De não se comprometer com a escolha ou com o acontecido.
Imagina-se assim que não se corre o risco do arrependimento. Da
responsabilidade e da dor de se bancar uma decisão. De assinar sua escolha. Da angústia de se escolher
sem garantias. De se demarcar posição. Ela sempre aponta no outro aquilo que
falta nela. Ela sempre deseja que outro seja aquilo que ela não consegue ser. Que faça aquilo que não consegue fazer.
A questão central é que agindo
assim, esta pessoa consegue arrastar (mesmo que por algum tempo) a atenção e o
olhar piedoso do outro, que normalmente acredita que a pessoa realmente foi
injustiçada por alguém ou algo. Mesmo isso não sendo a verdade plena, ser “vítima
do outro” (responsabilizando-o por toda decisão), implica em um aglomerado de
ganhos secundários, além da atenção das pessoas (e de si própria): o apoio, o
amparo, a solidariedade, a disposição em lhe ajudar, enfim, muitas coisas
satisfatórias. Sem essas vantagens, este comportamento não se sustentaria.
Aliás, a manutenção da boa imagem
para os outros parece ser essencial e uma das maiores buscas de quem se
vitimiza ou se desresponsabiliza. Ela tenta manter uma imagem de lutadora
combalida. E para sustentar é preciso que se tenha um algoz. Sempre alguém ou
algo externo. Alguém que personifique e assuma toda a responsabilidade. Nada
pode ser mais covarde que transferir as próprias limitações para a conta do
outro. Produzir uma marca no outro para evitar que a sua apareça. Buscar
dominar o outro, através da sua postura de dominada.
E se a pessoa não se
responsabiliza, ela normalmente se sente como quem mais se dedica. Assim como
nas frases iniciais desta publicação, ela está sempre se dedicando demais e
recebendo de menos. Na relação com o outro, ela supostamente está sempre
oferecendo um pacote irresistível de bondade, dedicação, sinceridade e amor. Mas é claro que cobra um preço por “tamanha
bondade e oferta”. E a principal é uma
cobrança desmedida que visa à inserção do sentimento de culpa, da desqualificação
e da quebra da auto-estima do outro. E aí é um passo para recomeçar o eterno
ciclo de queixa, vitimização, cobrança, frustração...
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