Nunca pensei que pudesse sentir ódio.
Sabe aquele vizinho chato que te enche o saco com o posicionamento político ou esportivo diferente do seu? Sabe aquele colega de trabalho que tenta te prejudicar ou roubar seu cargo? Sabe aquela namorada que te abandonou depois de dois anos de namoro e dedicação? Sabe aquele policial que te multou porque seu carro estava parado a menos de cinco metros da esquina de uma rua deserta? Sabe aquele menino que te roubava o lanche na escola quando você era pequeno?
Então. Descobri que tudo isso é raiva.
Não chega nem perto do que é ódio.
Só sabe que isso é raiva, quem experimenta ódio. É algo que consome. Que adoece. Estou careca de saber do quanto este sentimento faz mal e do quanto ele é moralmente abominável. Mas, parecido com a paixão, ele é sorrateiro e avassalador. Invade. Toma posse.
Claro que para despertar algo assim, também carece de muita dinamite.
Ódio é calamidade pública. É preciso chover muito, por muito tempo.
Eu vim de muitas tempestades. Muitas. Daquelas que dão medo. Mas encarei todas. Uma a uma. Trovão. Relâmpago. Inundação. Respirei e superei todas. As vezes sozinho. As vezes com ajuda (afetiva, intelectual ou química).
Depois de um tempo, fechei o guarda chuva. Acabou. Fim. Um pequeno e tímido sol.
Mas percebi que o estrago foi grande.
Telhado quebrado. Terreno enlameado. Cômodos cheio d'água. Muita coisa bonita que estava dentro, enferrujou.
E as pessoas que ali moravam também teriam que mudar de cômodo. Se adaptar. Revesar pra ficar juntas. Não cabiam todos ali ao mesmo tempo. Era triste, mas era preciso agradecer por estarem todos vivos.
Mãos a obra. Parede refeita. Telhado (não mais de tijolos, agora de palha) refeito. Tirar de balde a água represada.
Trabalho. Tempo. Transpiração.
Aí, de repente, um terremoto. E uma tempestade. E tudo está no chão. Do mesmo jeito. A sensação de que nenhum esforço valeu a pena. Nada. Exatamente como no fim da primeira tempestade.
Só que nessa história, a força da natureza tem nome e sobrenome.
Nessa hora se experimenta sentimentos que só se conhece em livros e filmes.
E esse sentimento te conecta a outros tão sombrios quanto. Dor. Ressentimento. Decepção. Tristeza. Desmotivação. Medo. Ira. Nojo. Desesperança. Apatia. Ansiedade. Angústia.
A sensação de derrota é gigantesca.
E a culpa de ter feito apenas telhado de palha, quando se conhecia a força da tempestade. Ainda mais morando ali. Sabendo que aquela região (com nome e sobrenome) é bastante factível de tempestades. Mas você duvida. Acredita no ditado que seus pais diziam; que dois raios nunca caem no mesmo lugar. Ledo engano. Caem sim. No mesmo lugar. Parece até que é o mesmo raio.
Mas acredito na "vida pós ódio". Que "isso" também passe. Acredito na resiliência. E que o ódio, assim como as paixões, também se vá com o tempo.
Dos escombros, mas de pé.