segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Isto é muito sério

"[...]De que lado você está, eu não me importo! De que garfo você come, de que copo você bebe, que posto certo você escolhe, qual é seu orixá, seu partido, sua altura, de qual de suas cicatrizes cuida, que pássaro você prefere, quem é seu pai, qual é seu samba, Pinot noir ou Chardonay, que protetor você usa, qual é sua pele, seu perfume, qual político, quantos amores você sonha, em que Fernando, em que Ofélia, em que cinema, em que bandeira, em que cabelo você mora, qual dos túneis de Copacabana. Rezo para seus santos quando atravessar.

É… é impossível viver no país de Deus. Isso eu te dou de barato. Mas, atravessar o gramado de Deus em bicicleta, isso não é impossível, não.

Escuta, isso é sério!

Andamos crescendo juntos, distraidamente. As árvores crescem conosco. Nossa pele se estende, nosso entendimento, teso, também. O século cresce conosco. O amor pelas ventas da cara do mundo, também.

Quanto a um pra um entre nós dois, isso logo se vê. Não sei nada sobre a paixão, suspeito que você também não. Mas, começo a entender que o compasso da fé está mudando a passos largos. Dois pra lá e dois pra cá.

Portanto, escute.
Isto é muito serio!
Isto é uma proposta aos trinta anos.

Agora que o mercúrio assumiu sua posição certa, vem comigo achar o meu trono mágico entre a folhagem. E, no caminho até lá, vem dançar comigo, vem!"

Matilde Campilho.



Procedimento


Hoje eu retirei um câncer.
Um tumor enorme.
Quase um metro e sessenta.
Um carcinoma dos mais malignos.
Tanto que era uma recidiva.
Locorregional. Isso é quando ele reaparece no mesmo local.
Tirei a primeira vez a quase quatro anos atrás.
No final de Janeiro ele reapareceu.
Hoje a retirada foi feita com um procedimento bastante agressivo.
Sangrento.
Pós operatório bastante doloroso.
Algumas sequelas importantes.
Físicas e emocionais.
Aliás, é difícil perceber o que é físico, o que é psíquico e o que psicossomático.
O estranho nesse tipo de adoecimento é que o organismo parece sentir falta daquele tumor maligno que tanto agredia o corpo.
É difícil explicar porque isso acontece.
Talvez uma pseudo sensação de vazio pelo tamanho da massa arrancada.
Dessa vez, os médicos disseram que a chance de recidiva é mínima.
Não vejo a hora de me sentir forte e vivo de novo... e possa me deparar com uma nova página em branco.